
Tiros
Fatia 0.4g
- País: Brasil
- Ano queda: 2020
- Classificação: Acondrito Howardito
- Massa total: 0,4 kg
- Queda observada: Sim
Tiros
Na tranquila manhã de 8 de maio de 2020, às 06h25 UTC, o céu dos estados de Minas Gerais e São Paulo foi cortado por um espetáculo celeste impressionante: um bólido extremamente luminoso iluminou a atmosfera com intensidade incomum, seguido por um poderoso estrondo que ecoou em pelo menos 18 cidades da região do Triângulo Mineiro. O fenômeno foi registrado por múltiplas câmeras da rede Clima Ao Vivo e também detectado do espaço pelo satélite GOES-16, através do sensor GLM (Geostationary Lightning Mapper). As imagens analisadas pela BRAMON (Brazilian Meteor Observation Network) revelaram uma trajetória de 180 km percorridos em 9,76 segundos, com velocidade de 18,5 km/s e inclinação de 15,8° em relação ao solo. A fragmentação final ocorreu a cerca de 29,7 km de altitude, sobre uma área rural próxima à cidade de Tiros, Minas Gerais.
Com base nessas informações, o pesquisador Jim Goodall determinou uma área de dispersão estimada de 84 km por 7 km, entre Tiros e Morada Nova de Minas. No entanto, devido ao isolamento da região, à vegetação densa e ao contexto da pandemia de Covid-19, as buscas por fragmentos foram limitadas. Somente em setembro de 2020, durante a limpeza de um terreno, um morador local conhecido como Sr. Titota encontrou uma pedra incomum — escura, densa, e completamente fora do padrão geológico da região. A apenas 150 metros de sua casa, o fragmento foi inicialmente adicionado à coleção de rochas de sua esposa. Dias depois, um vídeo amador da pedra foi compartilhado em um grupo de WhatsApp.
O conteúdo chegou até o padre José Luis de Araujo Paiva, que desconfiou de sua origem extraterrestre e encaminhou o vídeo ao jornalista Sandro Barcelos, do portal Tirense Notícias. A divulgação pela página @mulheresdeestrelas ajudou a dar visibilidade ao achado, e com apoio de especialistas, confirmou-se que se tratava de um meteorito recém-caído. A curta distância do local em relação ao ponto final da trajetória e seu excelente estado de preservação confirmaram sua associação direta com o bólido de maio de 2020.
Mas a verdadeira surpresa estava por vir: análises petrográficas e geoquímicas revelaram que Tiros não era um condrito comum — ele era um raro exemplar de howardito, um tipo de achondrito HED extremamente incomum. Este é, até hoje, o único meteorito howardito já registrado no Brasil. Howarditos são rochas brechadas compostas por fragmentos de eucritos e diogenitos, dois tipos de rochas ígneas que se formaram na crosta e no manto de um corpo planetário diferenciado. Acredita-se que todos os meteoritos HED se originam de um mesmo corpo parental: o asteroide 4 Vesta, um dos maiores e mais antigos objetos do cinturão de asteroides, com cerca de 500 km de diâmetro.
A formação do Tiros remonta a mais de 4,5 bilhões de anos, quando Vesta passou por processos intensos de diferenciação interna — formando núcleo metálico, manto e crosta. O howardito representa um amálgama desses processos, resultado de impactos subsequentes que fragmentaram e remixaram materiais de diferentes camadas. Ao longo do tempo, colisões catastróficas ejetaram esses fragmentos no espaço interplanetário. Após vagar por milhões de anos, o fragmento que daria origem ao meteorito Tiros finalmente encontrou a Terra — e caiu sob os olhos atentos do interior mineiro.
Hoje, o meteorito Tiros é um verdadeiro embaixador cósmico, conectando o Brasil a uma história que começou na infância do Sistema Solar. Seu valor vai muito além do estético: ele é uma peça chave para entender a evolução de corpos planetários, a dinâmica do cinturão de asteroides e os processos que moldaram os mundos rochosos. Raro, documentado e cientificamente indispensável, Tiros carrega consigo não só a poeira de outro mundo, mas também o brilho de um achado único em solo brasileiro — um presente silencioso do espaço, que atravessou o tempo e a vastidão para cair em nosso quintal.


Tiros Fatia 1.271g Brasil
Tiros Fatia 1.271g
Acondrito
Os acondritos são meteoritos rochosos que se distinguem por não apresentarem côndrulos, aquelas pequenas esferas milimétricas de silicato características dos condritos. A ausência de côndrulos indica que essas rochas passaram por processos geológicos mais complexos, como fusão parcial, diferenciação e cristalização de magma, o que as aproxima muito das rochas ígneas encontradas na Terra. Diferente dos sideritos, que representam o material denso e metálico do núcleo de corpos planetários, os acondritos são originários das regiões externas — como o manto e a crosta — de planetesimais e asteroides que, nos primórdios do Sistema Solar, foram suficientemente grandes para passar por processos de diferenciação. Quando esses corpos se formaram a partir da nebulosa solar, o calor gerado por impactos e decaimento de elementos radioativos derreteu seus interiores, permitindo a separação dos elementos mais pesados e leves. Os materiais metálicos migraram para o centro, enquanto os silicatos deram origem a lavas e rochas ígneas nas camadas mais externas. Os acondritos são, portanto, fragmentos dessas crostas e mantos, e fornecem uma visão única da atividade geológica em corpos extraterrestres primitivos.
Dentro da grande categoria dos acondritos, existem vários subgrupos distintos, cada um associado a diferentes corpos parentais e processos geológicos. Os acondritos primitivos, como as acapulcoitas e lodranitas, são uma transição entre condritos e rochas totalmente diferenciadas. Eles preservam características químicas do material original da nebulosa, mas passaram por aquecimento suficiente para fundir parcialmente e eliminar os côndrulos. Já as brachinitas são acondritos extremamente ricos em olivina e representam um tipo de manto primitivo. As ureilitas são outro tipo peculiar, com alto teor de carbono, grafite e até diamantes microscópicos, provavelmente formados por impacto. Entre os acondritos diferenciados mais estudados estão os do grupo HED: howarditas, eucritas e diogenitas. Eles têm origem no asteroide 4 Vesta e representam diferentes profundidades da crosta e do manto desse corpo. As eucritas são basaltos de superfície, as diogenitas vêm de camadas mais profundas e as howarditas são brechas formadas por colisões que misturaram os dois tipos. Outras classes importantes são os angritos, que têm uma mineralogia única e provavelmente se formaram em planetesimais distintos, e os aubritos, ricos em enstatita e com aparência muito clara, derivados de asteroides extremamente reduzidos.
Também fazem parte dos acondritos os meteoritos lunares e marcianos. Os meteoritos lunares são fragmentos arrancados da crosta da Lua por grandes impactos e que viajaram pelo espaço até atingir a Terra. São compostos por basalto, anortosito e outros tipos de rochas semelhantes às amostras trazidas pelas missões Apollo, e ajudam a ampliar nosso conhecimento sobre regiões não visitadas da Lua. Os meteoritos marcianos, por sua vez, são extremamente raros e valiosos. Eles compartilham com as análises feitas por sondas em Marte a mesma composição isotópica de gases aprisionados, especialmente o argônio, e nos fornecem informações preciosas sobre o vulcanismo, a presença de água e as condições atmosféricas do planeta vermelho em diferentes épocas. Essas amostras nos contam que Marte foi geologicamente ativo por bilhões de anos. Entre os marcianos há três grupos principais: as shergottitas, basaltos ricos em piroxeno; as nakhlitas, formadas por clinopiroxeno e com evidência de interação com água; e as chassignitas, compostas predominantemente por olivina.
Os acondritos, apesar de não representarem a maior parte dos meteoritos encontrados, são verdadeiros arquivos geológicos que documentam a história dos processos ígneos no Sistema Solar. Por sua semelhança com as rochas terrestres, eles também funcionam como pontes para compreendermos como nosso próprio planeta evoluiu desde seus primeiros estágios. Cada acondrito é uma peça-chave em um quebra-cabeça cósmico que revela como pequenos corpos primordiais deram origem a mundos inteiros — e como esses mundos foram moldados por calor, tempo e colisões. Para cientistas e colecionadores, são relíquias de um passado distante e silencioso, guardando em seus minerais as pistas da origem e evolução dos planetas.