São João Nepomuceno

Fatia 5.33g

  • País: Brasil
  • Ano achado: 1960
  • Classificação: Siderito IVA-an
  • Massa total: 15,3 kg
  • Queda observada: Não
R$ 1.279,20
São João Nepomuceno

Entre as colinas da Zona da Mata Mineira, próximo à cidade de São João Nepomuceno, um fragmento enigmático do cosmos foi um dia descoberto — pesado, metálico, silencioso e repleto de histórias que ainda hoje permanecem em parte ocultas. Com cerca de 15 kg e dimensões aproximadas de 54 × 20 × 11 cm, esse meteorito foi doado ao Museu Nacional pelo Dr. Sylvio Froes de Abreu, então diretor do Instituto Nacional de Tecnologia. A peça chegou com a informação de que fora encontrada nas redondezas da cidade, embora investigações posteriores tenham lançado dúvidas sobre a procedência exata. Ainda assim, sua existência é real — e absolutamente excepcional.

Nomeado São João Nepomuceno, este meteorito pertence a um grupo extremamente raro dentro da meteoritologia: os meteoritos metálicos contendo silicatos ricos em sílica. Trata-se de um octaedrito fino, com padrão de Widmanstätten bem definido e lamelas de 0,35 mm de largura, e classificado como grupo IVA - anômalo. A anomalia, neste caso, é justamente o que o torna precioso: sua composição não se encaixa perfeitamente nos padrões conhecidos desse grupo, devido à presença de numerosas inclusões de silicatos policristalinos — algo tão raro que, até hoje, apenas outro meteorito no mundo é considerado semelhante a ele: o meteorito Steinbach, da Alemanha.

Descoberto em 1724 na Turíngia, Steinbach é um meteorito lendário. Pesando cerca de 95 kg, ele também pertence ao grupo IVA e exibe a mesma combinação singular de metal e silicatos. O Steinbach chamou atenção desde os primórdios da meteoritologia por conter cristais de silicatos altamente refratários, o que sugere uma formação complexa e pouco comum. Por mais de dois séculos, acreditou-se que ele era único. E então, o São João Nepomuceno surgiu — silenciosamente — como irmão cósmico distante, talvez parte de um fragmento de corpo progenitor que jamais imaginamos.

Os resultados das análises químicas conduzidas por M. R. V. Silveira revelaram uma composição típica de um siderito: Fe 91,60%, Ni 7,92%, Co 0,4%, com pequenas quantidades de P, S, Si, Cu e traços de arsênio. Mas é justamente a presença de silício livre na forma de silicatos o que transforma o São João Nepomuceno de um siderito comum em uma joia científica. A hipótese mais aceita é que esse meteorito se formou na região de transição entre o núcleo metálico e o manto rochoso de um planetesimal diferenciado, onde metais e silicatos coexistiram sob condições específicas de temperatura e pressão, e, após bilhões de anos, foram expostos por uma colisão catastrófica.

Meteoritos como esse são raríssimos registros da complexidade da diferenciação planetária. Ao contrário dos sideritos comuns, formados no núcleo metálico, ou dos acondritos, derivados do manto, meteoritos com silicatos incorporados em matriz metálica representam zonas limítrofes de transição, interfaces internas de mundos primordiais que nunca chegaram a se tornar planetas completos. São janelas diretas para a arquitetura interna de corpos celestes destruídos — e as inclusões de silicatos são seus fósseis cristalinos.

Hoje, o meteorito São João Nepomuceno permanece como uma peça de imenso valor científico e histórico. Ainda não completamente descrito na literatura, ele representa um dos poucos exemplares conhecidos com essa composição híbrida, e o único do tipo no hemisfério sul. Sua estrutura interna, beleza metálica e raridade o tornam desejado tanto por estudiosos quanto por museus internacionais, embora sua origem exata ainda seja envolta em mistério.

Ter um fragmento do São João Nepomuceno é possuir uma das chaves mais raras para entender a formação do Sistema Solar. Ele é o testemunho de um limite geológico cósmico, um lugar onde ferro e rocha se fundiram em silêncio, sob pressões ancestrais, há mais de 4,5 bilhões de anos. Uma peça incomparável, que nos relembra que mesmo os meteoritos mais discretos podem carregar os segredos mais extraordinários das estrelas.

Siderito

Assim como os acondritos, os sideritos são provenientes de corpos parentais cuja matéria primordial sofreu diferenciação. Este material, originário da nebulosa que formou o sistema solar e presente nos meteoritos condritos, sofreu a ação gravitacional ao longo de bilhões de anos dando origem a todos os corpos que conhecemos hoje no sistema solar como o sol, planetas, asteróides, etc. Os sideritos são meteoritos provenientes do núcleo desses corpos parentais onde o material mais pesado se concentrou como o Ferro e Níquel. Apesar de haver um grande número de meteoritos ferrosos já catalogados, a grande maioria não teve a sua queda observada. Somente uma pequena parcela das quedas observadas corresponde a meteoritos sideritos, a grande maioria é representada pelos condritos. Levando-se a conclusão que os meteoritos ferrosos são relativamente mais raros que os rochosos em nosso sistema solar.

Uma vez em ambiente terrestre, os meteoritos ferrosos sofrem menos desgaste que os condritos e, desta maneira, ainda podem ser encontrados após milhares de anos de sua queda. Os condritos, por sua vez, rapidamente sofrem a ação da atmosfera e rapidamente passam a ser confundidos com rochas terrestres e sua descoberta se torna cada vez mais difícil. Desta maneira, temos registros que achados de meteoritos ferrosos de milhares de anos e vários relacionados a grandes crateras como Canyon Diablo no Arizona com cerca de 1200 metros diâmetro e 50.000 anos. Encontramos inúmeros outros exemplos de grandes achados com várias toneladas como o Campo Del Cielo na Argentina ou Gibeon na Namíbia. Devido também a sua alta resistência, os meteoritos ferrosos estão entre os maiores já conhecido, pois são mais resistentes a reentrada na atmosfera terrestre. O maior foi é o Hoba West, localizado na Namíbia com 6 toneladas. O maior meteorito encontrado no Brasil é o Bendengó com 5.3 toneladas e se encontra hoje no Museu Nacional, RJ.
Outro fator que ajuda no trabalho de busca dos meteoritos ferrosos é sua alta atratividade a imãs e ótima resposta a detectores de metais. Detectores de metais são extensamente utilizados em trabalhos de busca de meteoritos e não apresentam uma boa resposta em meteoritos rochosos.
Os meteoritos ferrosos são constituídos basicamente de uma liga ferro-níquel e uma pequena quantidade de outros elementos como germânio, gálio, ósmio e irídio que, por serem elementos pesados, se concentraram na região do núcleo do corpo parental.
Há duas metodologias de classificação para os meteoritos ferrosos, a mais antiga e tradicional é através do estudo da estrutura e proporção do metal níquel na liga ferro-níquel. Para tanto, bastava realizar o polimento de uma porção do material, realizar o tratamento com ácido nítrico e verificar que tipo de estrutura ficaria evidente. Com base nessa estrutura o meteorito recebia a sua devida classificação como Hexaedrito, Octaedrito ou Ataxito. Mais recentemente outro método baseado no estudo químico ou quantitativo de elementos como irídio e gálio em igual proporção de níquel passou a ser empregado. Desta classificação surgiram as seguintes classificações num total de 14 grupos diferentes: IAB, IC, IIAB, IIC, IID, IIE, IIF, IIG, IIIAB, IIICD, IIIE, IIIF, IVA, IVB. Além desses grupos uma pequena parcela ainda não foi agrupada recebendo esta mesma denominação.
Uma interessante relação entre esses dois tipos de classificações também foi observada e relacionada na seguinte tabela:
Classe estrutural
Símbolo
Camacita [mm]
Níquel
[%]
Grupo químico relacionado
Hexaedritos
H
> 50
4.5 – 6.5
IIAB, IIG
 Octaedrito Muito Grosseiro
Ogg
3.3 – 50
6.5 – 7.2
IIAB, IIG
Octaedrito Grosseiro
Og
1.3 – 3.3
6.5 – 8.5
IAB, IC, IIE, IIIAB, IIIE
Octaedrito Médio
Om
0.5 – 1.3
7.4 – 10
IAB, IID, IIE, IIIAB, IIIF
Octaedrito Fino
Of
0.2 – 0.5
7.8 – 13
IID, IIICD, IIIF, IVA
Octaedrito Muito Fino
Off
< 0.2
7.8 – 13
IIC, IIICD
Octaedrito Plessítico
Opl
< 0.2
9.2 – 18
IIC, IIF
Ataxito
D
-
> 16
IIF, IVB

 

Antes de descrever cada tipo estrutura, vale alguns comentários em relação à principal liga ferro-níquel, constituinte deste tipo de meteorito. Os dois principais tipos desta liga encontrados em meteoritos ferrosos são a kamacita e tenita. A formação de uma determinada liga de ferro-níquel no núcleo do corpo parental vai depender da proporção de níquel presente na liga ferro-níquel, da temperatura e velocidade de resfriamento. Se a proporção de níquel na liga ferro-níquel for baixa, entre 4.5 e 6.5 %, a liga resultante será a kamacita. Se a proporção de níquel for alta como 30% ou mais em relação ao ferro, teremos somente a formação da tenita. Como a proporção de níquel num meteorito ferroso está situada entre 6 a 13%, encontramos as ligas formadas somente de kamacita, somente de tenita e uma mistura das duas ligas.
Octaedritos (O): Tipo mais comum de siderito exibindo a famosa figura de Widmanstätten quando polido e tratado com ácido nítrico. É composto por uma mistura de kamacita e tenita interligados. A interligação espacial entre a kamacita e tenita se dá na forma de um octaedro, dando o nome de octaedrito a esse grupo. O espaço entre as placas de kamacita e tenita são preenchidos por uma fina mistura granular de kamacita e tenita chamada Plessita (preenchimento em Grego). Os Octaedritos são novamente classificados de acordo com a espessura da camada de kamacita na figura de Widmanstätten.
Hexaedritos (H): Tipo formado essencialmente por kamacita. O nome hexaedrito se fere a rede cristalina onde esta liga é formada. A rede cristalina tem formato cúbico com seis lados iguais e com ângulos retos entre os mesmo formando um hexaedro. Os hexaedritos não exibem o padrão de Widmanstätten como a maioria dos outros sideritos e sim pequenas linhas finas denominadas “Linhas de Neumman”, em homenagem ao seu descobridor Franz Ernst Neumann e identificou essas linhas em 1848. Estas “Linhas de Neumman” são indicativas da deformação por choque no corpo parental. O grupo químico relacionado ao hexaedrito é o IIAB.
Ataxitos (D): Raro tipo de siderito que não apresenta nenhuma estrutura óbvia quando tratados com ácido nítrico. O termo ataxito vem do Grego “sem estrutura”. É formado essencialmente com a liga rica em níquel tenita. É o tipo de siderito mais raro e nenhuma das quedas observadas até hoje de sideritos é do tipo Ataxito.