Cristalina

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  • País: Brasil
  • Ano achado: 2019
  • Classificação: Siderito Não agrupado
  • Massa total: 0,032 kg
  • Queda observada: Não
R$ 3.595,20
Cristalina

No coração do cerrado brasileiro, entre as terras férteis e tranquilas de Cristalina, Goiás, um fragmento milenar do espaço foi revelado ao acaso. Em novembro de 2019, durante o preparo do solo na Fazenda Brejo, o agricultor Sebastião Penha da Costa Rabello encontrou uma massa metálica de 32 kg, enterrada sob a terra há provavelmente milhares de anos. Enferrujada na superfície e coberta por uma crosta marrom, a peça despertou curiosidade, mas permaneceu por anos guardada em sua residência como um objeto enigmático. Apenas em 2023, ao cortar uma borda e observar sua estrutura interna, Rabello decidiu enviar uma amostra ao Instituto de Geociências da Universidade de Brasília, o que levou à sua análise e posterior classificação científica por A. Greshake (Museu de História Natural de Berlim).

O que se descobriu foi surpreendente: tratava-se de um meteorito metálico, classificado como octaedrito médio não agrupado, ou seja, um siderito raro que não pertence a nenhum dos grupos químicos tradicionais. Essa classificação — "ungrouped" — indica que a composição química do meteorito Cristalina é única entre os meteoritos conhecidos, o que o torna ainda mais valioso para os estudos sobre a formação de núcleos planetários primitivos.

Sua estrutura interna revela um padrão de Widmanstätten bem desenvolvido, formado por lamelas de kamacita com largura média de 0,9 mm, uma assinatura cristalográfica gerada pelo resfriamento extremamente lento do metal no núcleo de um planetesimal. Esse processo ocorre ao longo de milhões de anos, em ambientes de microgravidade e isolamento térmico — uma condição que só pode ser encontrada no interior de corpos planetários diferenciados, como grandes asteroides do cinturão principal.

A origem siderítica do meteorito Cristalina remonta aos primórdios do Sistema Solar, há cerca de 4,56 bilhões de anos, quando o disco de poeira e gás ao redor do Sol começou a se condensar em pequenos corpos rochosos. Alguns desses corpos cresceram o suficiente para se diferenciarem internamente, formando núcleos metálicos densos envolvidos por mantos rochosos. O meteorito Cristalina é uma fatia exposta de um desses núcleos, um fragmento que resistiu a colisões violentas e viajou por eons através do espaço antes de mergulhar em nossa atmosfera e repousar, silencioso, no solo goiano.

Sob análise, foram identificadas inclusões de troilita, schreibersita e daubréelita, minerais típicos de sideritos profundos. Seu conteúdo de níquel (até 8,72%), cobalto (0,63%), irídio (4,02 ppm) e outros elementos traço como ouro, arsênio e germânio mostra uma assinatura geoquímica que difere claramente dos sideritos do grupo IIIAB, justificando sua classificação como meteorito metálico não agrupado — uma raridade absoluta. A ausência de ferro metálico secundário, a textura uniforme e o grau mínimo de alteração indicam excelente preservação interna, apesar da oxidação superficial natural.

Ter um fragmento do meteorito Cristalina é possuir um pedaço literal do núcleo de um planeta que nunca se formou totalmente. Sua beleza geométrica, sua história de formação profunda e sua exclusividade química o tornam uma peça de altíssimo valor tanto para colecionadores quanto para instituições científicas. É uma rocha que conta a história da engenharia natural do cosmos, dos processos físicos e químicos que moldaram os primeiros corpos do Sistema Solar e que hoje, por acaso ou destino, repousa em solo brasileiro.

Mais do que uma peça exótica, o meteorito Cristalina é um testemunho metálico da origem planetária, uma cápsula do tempo sideral que une ciência, história e contemplação cósmica em uma única peça. Seu brilho discreto esconde bilhões de anos de história, esperando para ser revelado.

Siderito

Assim como os acondritos, os sideritos são provenientes de corpos parentais cuja matéria primordial sofreu diferenciação. Este material, originário da nebulosa que formou o sistema solar e presente nos meteoritos condritos, sofreu a ação gravitacional ao longo de bilhões de anos dando origem a todos os corpos que conhecemos hoje no sistema solar como o sol, planetas, asteróides, etc. Os sideritos são meteoritos provenientes do núcleo desses corpos parentais onde o material mais pesado se concentrou como o Ferro e Níquel. Apesar de haver um grande número de meteoritos ferrosos já catalogados, a grande maioria não teve a sua queda observada. Somente uma pequena parcela das quedas observadas corresponde a meteoritos sideritos, a grande maioria é representada pelos condritos. Levando-se a conclusão que os meteoritos ferrosos são relativamente mais raros que os rochosos em nosso sistema solar.

Uma vez em ambiente terrestre, os meteoritos ferrosos sofrem menos desgaste que os condritos e, desta maneira, ainda podem ser encontrados após milhares de anos de sua queda. Os condritos, por sua vez, rapidamente sofrem a ação da atmosfera e rapidamente passam a ser confundidos com rochas terrestres e sua descoberta se torna cada vez mais difícil. Desta maneira, temos registros que achados de meteoritos ferrosos de milhares de anos e vários relacionados a grandes crateras como Canyon Diablo no Arizona com cerca de 1200 metros diâmetro e 50.000 anos. Encontramos inúmeros outros exemplos de grandes achados com várias toneladas como o Campo Del Cielo na Argentina ou Gibeon na Namíbia. Devido também a sua alta resistência, os meteoritos ferrosos estão entre os maiores já conhecido, pois são mais resistentes a reentrada na atmosfera terrestre. O maior foi é o Hoba West, localizado na Namíbia com 6 toneladas. O maior meteorito encontrado no Brasil é o Bendengó com 5.3 toneladas e se encontra hoje no Museu Nacional, RJ.
Outro fator que ajuda no trabalho de busca dos meteoritos ferrosos é sua alta atratividade a imãs e ótima resposta a detectores de metais. Detectores de metais são extensamente utilizados em trabalhos de busca de meteoritos e não apresentam uma boa resposta em meteoritos rochosos.
Os meteoritos ferrosos são constituídos basicamente de uma liga ferro-níquel e uma pequena quantidade de outros elementos como germânio, gálio, ósmio e irídio que, por serem elementos pesados, se concentraram na região do núcleo do corpo parental.
Há duas metodologias de classificação para os meteoritos ferrosos, a mais antiga e tradicional é através do estudo da estrutura e proporção do metal níquel na liga ferro-níquel. Para tanto, bastava realizar o polimento de uma porção do material, realizar o tratamento com ácido nítrico e verificar que tipo de estrutura ficaria evidente. Com base nessa estrutura o meteorito recebia a sua devida classificação como Hexaedrito, Octaedrito ou Ataxito. Mais recentemente outro método baseado no estudo químico ou quantitativo de elementos como irídio e gálio em igual proporção de níquel passou a ser empregado. Desta classificação surgiram as seguintes classificações num total de 14 grupos diferentes: IAB, IC, IIAB, IIC, IID, IIE, IIF, IIG, IIIAB, IIICD, IIIE, IIIF, IVA, IVB. Além desses grupos uma pequena parcela ainda não foi agrupada recebendo esta mesma denominação.
Uma interessante relação entre esses dois tipos de classificações também foi observada e relacionada na seguinte tabela:
Classe estrutural
Símbolo
Camacita [mm]
Níquel
[%]
Grupo químico relacionado
Hexaedritos
H
> 50
4.5 – 6.5
IIAB, IIG
 Octaedrito Muito Grosseiro
Ogg
3.3 – 50
6.5 – 7.2
IIAB, IIG
Octaedrito Grosseiro
Og
1.3 – 3.3
6.5 – 8.5
IAB, IC, IIE, IIIAB, IIIE
Octaedrito Médio
Om
0.5 – 1.3
7.4 – 10
IAB, IID, IIE, IIIAB, IIIF
Octaedrito Fino
Of
0.2 – 0.5
7.8 – 13
IID, IIICD, IIIF, IVA
Octaedrito Muito Fino
Off
< 0.2
7.8 – 13
IIC, IIICD
Octaedrito Plessítico
Opl
< 0.2
9.2 – 18
IIC, IIF
Ataxito
D
-
> 16
IIF, IVB

 

Antes de descrever cada tipo estrutura, vale alguns comentários em relação à principal liga ferro-níquel, constituinte deste tipo de meteorito. Os dois principais tipos desta liga encontrados em meteoritos ferrosos são a kamacita e tenita. A formação de uma determinada liga de ferro-níquel no núcleo do corpo parental vai depender da proporção de níquel presente na liga ferro-níquel, da temperatura e velocidade de resfriamento. Se a proporção de níquel na liga ferro-níquel for baixa, entre 4.5 e 6.5 %, a liga resultante será a kamacita. Se a proporção de níquel for alta como 30% ou mais em relação ao ferro, teremos somente a formação da tenita. Como a proporção de níquel num meteorito ferroso está situada entre 6 a 13%, encontramos as ligas formadas somente de kamacita, somente de tenita e uma mistura das duas ligas.
Octaedritos (O): Tipo mais comum de siderito exibindo a famosa figura de Widmanstätten quando polido e tratado com ácido nítrico. É composto por uma mistura de kamacita e tenita interligados. A interligação espacial entre a kamacita e tenita se dá na forma de um octaedro, dando o nome de octaedrito a esse grupo. O espaço entre as placas de kamacita e tenita são preenchidos por uma fina mistura granular de kamacita e tenita chamada Plessita (preenchimento em Grego). Os Octaedritos são novamente classificados de acordo com a espessura da camada de kamacita na figura de Widmanstätten.
Hexaedritos (H): Tipo formado essencialmente por kamacita. O nome hexaedrito se fere a rede cristalina onde esta liga é formada. A rede cristalina tem formato cúbico com seis lados iguais e com ângulos retos entre os mesmo formando um hexaedro. Os hexaedritos não exibem o padrão de Widmanstätten como a maioria dos outros sideritos e sim pequenas linhas finas denominadas “Linhas de Neumman”, em homenagem ao seu descobridor Franz Ernst Neumann e identificou essas linhas em 1848. Estas “Linhas de Neumman” são indicativas da deformação por choque no corpo parental. O grupo químico relacionado ao hexaedrito é o IIAB.
Ataxitos (D): Raro tipo de siderito que não apresenta nenhuma estrutura óbvia quando tratados com ácido nítrico. O termo ataxito vem do Grego “sem estrutura”. É formado essencialmente com a liga rica em níquel tenita. É o tipo de siderito mais raro e nenhuma das quedas observadas até hoje de sideritos é do tipo Ataxito.