Nossa Senhora do Livramento

Fatia 4.373g

  • País: Brasil
  • Ano achado: 2016
  • Classificação: Siderito IIIAB
  • Massa total: 1,12 kg
  • Queda observada: Não
Nossa Senhora do Livramento

Em meio às terras vermelhas e ásperas do interior de Mato Grosso, onde garimpeiros seguem instintivamente o som agudo de detectores de metais na esperança de encontrar ouro, um fragmento silencioso e antigo aguardava por sua descoberta. Em agosto de 2016, nas proximidades de Nossa Senhora do Livramento, um desses garimpeiros, Valmir P. Scarabeli, seguia sua rotina no calor abafado do cerrado quando seu detector acusou algo incomum — não ouro, mas um bloco metálico corroído, denso e enigmático.

A rocha foi enviada para análise ao pesquisador Andre L. R. Moutinho, que prontamente reconheceu sua natureza meteórica. Amostras foram então encaminhadas à Dra. Maria Elizabeth Zucolotto, no Museu Nacional/UFRJ, que confirmou: tratava-se de um meteorito de ferro, um visitante cósmico que há muito havia feito sua jornada silenciosa até repousar no solo mato-grossense. A peça, com 1.120 gramas e medindo cerca de 11 × 8 × 3 cm, apresentava extensa crosta de óxido e sinais de corrosão profunda, com penetração visível até o núcleo — indício de que estava enterrada há muito tempo, talvez por séculos, em solo úmido e oxidante.

Classificado como um siderito do grupo IIIAB, esse meteorito é um octaedrito médio, exibindo lamelas de kamacita com largura média de 0,90 mm, entrelaçadas com campos de taenita e raros domínios de plessita, incluindo formas degeneradas em rede e estrutura de pente. Bandas de Neumann são visíveis, revelando deformações internas por impactos antigos, e alguns grãos contêm precipitados de gama em escala micrométrica, marcando seu longo histórico térmico. Também foi identificado um pequeno nódulo de troilita-daubréelita, com estrutura eutética de sulfeto de ferro e pequenos cristais subangulares, adicionando complexidade à sua textura interna.

A composição geoquímica, determinada por J.T. Wasson (UCLA) e A. Tosi (IGEO/UFRJ), revelou níquel (74,6 mg/g), cobalto (5,00 mg/g), além de elementos traço como gálio, irídio (12,8 µg/g), platina e ouro (0,654 µg/g). Esses dados posicionam o meteorito com segurança no grupo IIIAB, mas com valores distintos de todos os sideritos brasileiros conhecidos até então, conferindo-lhe um caráter único dentro da meteoritologia nacional.

Este tipo de meteorito é mais do que um fragmento de ferro vindo do céu — trata-se de um pedaço do núcleo metálico de um planetesimal primitivo, corpo formado nos primeiros milhões de anos do Sistema Solar. Diferente dos condritos, que preservam poeira estelar, os sideritos representam o coração fundido desses pequenos mundos, que passaram por diferenciação interna e, posteriormente, foram destroçados por colisões titânicas. O que restou — pedaços metálicos cristalizados lentamente ao longo de bilhões de anos — foi lançado ao espaço, até ser capturado pela Terra.

O meteorito Nossa Senhora do Livramento é, assim, um fóssil sideral, um vestígio tangível das profundezas de um mundo que nunca chegou a ser planeta. Hoje, sua massa principal está com o colecionador Rodrigo Guerra, enquanto amostras estão distribuídas entre o Museu Nacional (70 g), Andre L. R. Moutinho (90 g) e Carlos Augusto Di Pietro (62 g). Cada fragmento carrega não apenas a assinatura química de um passado cósmico, mas também a simplicidade de uma descoberta feita no cerrado, por mãos calejadas, que buscavam ouro — e acabaram encontrando algo ainda mais raro: o coração frio de um antigo mundo perdido, caído no coração do Brasil.

Siderito

Assim como os acondritos, os sideritos são provenientes de corpos parentais cuja matéria primordial sofreu diferenciação. Este material, originário da nebulosa que formou o sistema solar e presente nos meteoritos condritos, sofreu a ação gravitacional ao longo de bilhões de anos dando origem a todos os corpos que conhecemos hoje no sistema solar como o sol, planetas, asteróides, etc. Os sideritos são meteoritos provenientes do núcleo desses corpos parentais onde o material mais pesado se concentrou como o Ferro e Níquel. Apesar de haver um grande número de meteoritos ferrosos já catalogados, a grande maioria não teve a sua queda observada. Somente uma pequena parcela das quedas observadas corresponde a meteoritos sideritos, a grande maioria é representada pelos condritos. Levando-se a conclusão que os meteoritos ferrosos são relativamente mais raros que os rochosos em nosso sistema solar.

Uma vez em ambiente terrestre, os meteoritos ferrosos sofrem menos desgaste que os condritos e, desta maneira, ainda podem ser encontrados após milhares de anos de sua queda. Os condritos, por sua vez, rapidamente sofrem a ação da atmosfera e rapidamente passam a ser confundidos com rochas terrestres e sua descoberta se torna cada vez mais difícil. Desta maneira, temos registros que achados de meteoritos ferrosos de milhares de anos e vários relacionados a grandes crateras como Canyon Diablo no Arizona com cerca de 1200 metros diâmetro e 50.000 anos. Encontramos inúmeros outros exemplos de grandes achados com várias toneladas como o Campo Del Cielo na Argentina ou Gibeon na Namíbia. Devido também a sua alta resistência, os meteoritos ferrosos estão entre os maiores já conhecido, pois são mais resistentes a reentrada na atmosfera terrestre. O maior foi é o Hoba West, localizado na Namíbia com 6 toneladas. O maior meteorito encontrado no Brasil é o Bendengó com 5.3 toneladas e se encontra hoje no Museu Nacional, RJ.
Outro fator que ajuda no trabalho de busca dos meteoritos ferrosos é sua alta atratividade a imãs e ótima resposta a detectores de metais. Detectores de metais são extensamente utilizados em trabalhos de busca de meteoritos e não apresentam uma boa resposta em meteoritos rochosos.
Os meteoritos ferrosos são constituídos basicamente de uma liga ferro-níquel e uma pequena quantidade de outros elementos como germânio, gálio, ósmio e irídio que, por serem elementos pesados, se concentraram na região do núcleo do corpo parental.
Há duas metodologias de classificação para os meteoritos ferrosos, a mais antiga e tradicional é através do estudo da estrutura e proporção do metal níquel na liga ferro-níquel. Para tanto, bastava realizar o polimento de uma porção do material, realizar o tratamento com ácido nítrico e verificar que tipo de estrutura ficaria evidente. Com base nessa estrutura o meteorito recebia a sua devida classificação como Hexaedrito, Octaedrito ou Ataxito. Mais recentemente outro método baseado no estudo químico ou quantitativo de elementos como irídio e gálio em igual proporção de níquel passou a ser empregado. Desta classificação surgiram as seguintes classificações num total de 14 grupos diferentes: IAB, IC, IIAB, IIC, IID, IIE, IIF, IIG, IIIAB, IIICD, IIIE, IIIF, IVA, IVB. Além desses grupos uma pequena parcela ainda não foi agrupada recebendo esta mesma denominação.
Uma interessante relação entre esses dois tipos de classificações também foi observada e relacionada na seguinte tabela:
Classe estrutural
Símbolo
Camacita [mm]
Níquel
[%]
Grupo químico relacionado
Hexaedritos
H
> 50
4.5 – 6.5
IIAB, IIG
 Octaedrito Muito Grosseiro
Ogg
3.3 – 50
6.5 – 7.2
IIAB, IIG
Octaedrito Grosseiro
Og
1.3 – 3.3
6.5 – 8.5
IAB, IC, IIE, IIIAB, IIIE
Octaedrito Médio
Om
0.5 – 1.3
7.4 – 10
IAB, IID, IIE, IIIAB, IIIF
Octaedrito Fino
Of
0.2 – 0.5
7.8 – 13
IID, IIICD, IIIF, IVA
Octaedrito Muito Fino
Off
< 0.2
7.8 – 13
IIC, IIICD
Octaedrito Plessítico
Opl
< 0.2
9.2 – 18
IIC, IIF
Ataxito
D
-
> 16
IIF, IVB

 

Antes de descrever cada tipo estrutura, vale alguns comentários em relação à principal liga ferro-níquel, constituinte deste tipo de meteorito. Os dois principais tipos desta liga encontrados em meteoritos ferrosos são a kamacita e tenita. A formação de uma determinada liga de ferro-níquel no núcleo do corpo parental vai depender da proporção de níquel presente na liga ferro-níquel, da temperatura e velocidade de resfriamento. Se a proporção de níquel na liga ferro-níquel for baixa, entre 4.5 e 6.5 %, a liga resultante será a kamacita. Se a proporção de níquel for alta como 30% ou mais em relação ao ferro, teremos somente a formação da tenita. Como a proporção de níquel num meteorito ferroso está situada entre 6 a 13%, encontramos as ligas formadas somente de kamacita, somente de tenita e uma mistura das duas ligas.
Octaedritos (O): Tipo mais comum de siderito exibindo a famosa figura de Widmanstätten quando polido e tratado com ácido nítrico. É composto por uma mistura de kamacita e tenita interligados. A interligação espacial entre a kamacita e tenita se dá na forma de um octaedro, dando o nome de octaedrito a esse grupo. O espaço entre as placas de kamacita e tenita são preenchidos por uma fina mistura granular de kamacita e tenita chamada Plessita (preenchimento em Grego). Os Octaedritos são novamente classificados de acordo com a espessura da camada de kamacita na figura de Widmanstätten.
Hexaedritos (H): Tipo formado essencialmente por kamacita. O nome hexaedrito se fere a rede cristalina onde esta liga é formada. A rede cristalina tem formato cúbico com seis lados iguais e com ângulos retos entre os mesmo formando um hexaedro. Os hexaedritos não exibem o padrão de Widmanstätten como a maioria dos outros sideritos e sim pequenas linhas finas denominadas “Linhas de Neumman”, em homenagem ao seu descobridor Franz Ernst Neumann e identificou essas linhas em 1848. Estas “Linhas de Neumman” são indicativas da deformação por choque no corpo parental. O grupo químico relacionado ao hexaedrito é o IIAB.
Ataxitos (D): Raro tipo de siderito que não apresenta nenhuma estrutura óbvia quando tratados com ácido nítrico. O termo ataxito vem do Grego “sem estrutura”. É formado essencialmente com a liga rica em níquel tenita. É o tipo de siderito mais raro e nenhuma das quedas observadas até hoje de sideritos é do tipo Ataxito.