A História do Meteorito de Porangaba

sábado, 14 de janeiro de 2023

Registros do Meteoro no Facebook

Logo após a inauguração de um novo ano, noticias sobre um intenso meteoro diurno avistado em várias cidades do interior do estado de São Paulo começaram a ser vinculadas em grupos de noticias do Facebook.
 
No dia 9 de janeiro de 2015, o Sr. Ivan Fiuza, aficionado por aviação, estava procurando por planadores na varanda de sua residência na direção de um aeroclube próxima à cidade de Tatuí onde mora. Nesta posição privilegiada e por uma coincidência incrível estava justamente olhando na região do céu na qual o meteoro faria todo o seu trajeto. Rapidamente com o intuito de registrar esse evento ele adentra a sua residência para pegar a câmera fotográfica e na sua cabeça surge a recordação do famoso e intenso evento que ocorreu na Rússia em Chelyabinsk e mentalmente se prepara para ouvir o barulho da onda de choque que chega em aproximadamente um minuto depois. Ivan consegue registrar a parte final da esteira de fumaça do meteoro com alguma fraca indicação de orientação, uma vez que o vento já estava dispersando a fumaça e mudando levemente a inclinação da esteira. Maravilhado com o evento e querendo compartilhar a experiencia ele posta em seu facebook um relato do acontecido juntamente com fotos da fumaça gerada pelo meteoro.
 
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A cerca de 120km de distância de Tatuí, em Lençóis Paulista, o Sr. Beto estava próximo a uma área descampada e também teve a sorte de presenciar o rápido meteoro diurno. Beto rapidamente saca o celular e consegue registrar a esteira de fumaça do meteoro em sua plenitude e apenas poucos segundos após o efeito luminoso ter cessado. Como a foto foi tomada imediatamente após a luz do meteoro se extinguir, muito provavelmente a inclinação da esteira de fumaça preservou a mesma inclinação percorrida pelo meteoroide na atmosfera terrestre. Felizmente Beto também posta a foto e a descrição de sua experiência no Facebook, somando-se também a foto disponibilizada pelo Ivan de Tatui.
 
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Também em Lençóis Paulista, o meteoro não passou despercebido a um técnico que estava instalando um conjunto de câmeras de segurança em uma residencia de alto padrão, justamente no momento em que testava o enquadramento de uma delas o meteoro é registrado pela câmera e armazenado no sistema de câmeras de segurança. Infelizmente o que foi divulgado desta filmagem fora apenas uma filmagem de baixa resolução feita por celular da imagem original registrada pelo sistema de segurança. Essa gravação foi disponibilizada pelo técnico e divulgada em sites de noticia da cidade também pelo Facebook
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Interessante também registrar a noticia vinculada por um blog da pequena cidade de Porangaba, relatando o fato de uma grande explosão ter sido ouvida na região rural da cidade e já fazendo alusão a uma provável queda de meteorito na região. Fato que por si já poderia ajudar na localização de prováveis meteoritos, uma vez que a ocorrência de efeitos sonoros fica localizada em uma região dentro de um raio de 50 km do local da queda.
 

Em Porangaba.. 

Alheio aos avistamentos de meteoros e publicações no Facebook, em uma bem cuidada propriedade de produção de palmeiras raras e ornamentais na região rural da pequena cidade de Porangaba, o caseiro da propriedade, Júlio C. Silva, juntamente com seu filho, Eduardo, estavam trabalhando na área externa da propriedade. Era aproximadamente 14:35 da tarde quando escutaram uma forte explosão vinda do céu, e notaram em seguida o que pareciam ser objetos caindo do céu. Um desses objetos atravessou os galhos de uma árvore próxima acertando uma pequena e rara palmeira ornamental Roystonea Altissima, originária da Jamaica.
palmeirapngFoto de Carlos Cornejo

Assustados não quiseram ir até o local onde havia caído o objeto e chamaram o dono da propriedade, P.G,  que foi ao local e conseguiu remover de uma pequena cavidade no solo uma pedra escura de aproximadamente 450g. Esse seria então o primeiro meteorito recuperado oficialmente no mundo em 2015 e viria a receber o nome de Porangaba, de acordo com a regra oficial de nomenclatura da Meteoritical Society.
 
Outra cena muito parecida também ocorreu a cerca de 600m ao sul da fazenda de criação de palmeiras. Estava trabalhando como pedreiros de uma casa nessa área o Sr. José Maria de Fátima e seu sobrinho, Rafael Nunes. Escutaram também o barulho de explosões e notaram uma “bola” de fumaça no céu na direção N, NE a cerca de 45 graus de elevação. Em aproximadamente 15 segundos após a explosão notaram também o que pareciam ser talvez quatro ou cinco objetos caindo em todas as direções. Literalmente uma “chuva de pedras”. No dia seguinte, foram na direção de onde foi notada a queda de um dos objetos e coletaram em uma pequena cavidade uma pedra preta de cerca de 520g.
josemariapngFoto disponibilizada pelo José Maria
 

Confirmação do Meteorito 

O proprietário da fazenda de criação de palmeiras, P.G, envia um e-mail relatando o acontecimento com fotos da pedra para a pesquisadora de meteoritos do Museu Nacional, Dra. Elizabete Zucolotto. A pesquisadora respondeu ao e-mail aproximadamente uma semana depois informando ao proprietário a grande possibilidade da pedra realmente ser um meteorito e combina com o mesmo de ir ao local para fazer o reconhecimento da queda. No dia 17 de janeiro a pesquisadora chega ao local, juntamente com um grupo de geólogos e um jornalista amigos do proprietário também chamados por este.
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No dia seguinte o jornalista, Carlos Cornejo, faz uma divulgação no seu Facebook sobre o novo meteorito caído em Porangaba. No mesmo dia Dirk Ross divulga a notícia no seu site “The Latest Worldwide Meteor/Meteorite News” e na também na meteorite-list.
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Confirmando o que viria a ser então a primeira queda de meteorito observada em 2015 e também o quarto meteorito queda do estado de São Paulo, depois de quase 45 anos da ultima queda em Marília no ano 1971. Outros meteoritos queda também do estado de São Paulo são o Avanhandava (1952) e o São José do Rio Preto (1962). Interessante notar que os intervalos entre os três primeiros meteoritos de São Paulo eram de 10 anos e entre o último e o Porangaba passaram-se 45 anos.

 

Caçando o Porangaba…

Tive conhecimento do mais novo meteorito brasileiro no dia 19 de janeiro através da Betty Zucolotto, e também através de relatos na Internet praticamente de maneira simultânea. Segundo a Zucolotto, o proprietário não queria ninguém mais além dela na propriedade e, por isso, ela não havia me informado anteriormente sobre o e-mail ou a queda em Porangaba.
 
É de conhecimento que durante queda de meteoritos vários fragmentos são produzidos em uma região denominada elipse de dispersão ou espalhamento, que se estende na direção da trajetória do meteoro. Conhecendo-se uma das localidades devem-se investigar regiões próximas e procurando se estender na direção da trajetória. A distribuição das massas na elipse também segue certa regra: fragmentos menores e em maior quantidade no inicio da área de espalhamento e maiores em menor quantidade no fim da área de espalhamento.
 
Até esse dia somente a descoberta da pedra de 450g na propriedade de P.G. foi divulgada. A descoberta da outra massa pelo José Maria somente veio a ser conhecida semanas mais tarde. Logo a primeira etapa para fazer a caça a outros fragmentos do Porangaba é tomar as coordenadas e dados disponíveis sobre todas as pedras conhecidas, e somente os dados da pedra de 450g eram conhecidos até o momento. A caçada inicial então deveria ficar concentrada somente nessa região e depois se estender aos poucos. Caso houvesse o conhecimento do outro achado, poder-se-ia já estabelecer uma reta entre esses dois pontos e qualquer local entre esses dois pontos poderiam produzir meteoritos em um trabalho de busca.
 
Consegui agendar uma visita à propriedade de produção de palmeiras ornamentais no próximo final de semana, dia 24 de janeiro, recebendo do proprietário todas as indicações de como chegar ao local através de comunicação de e-mail e telefone. Fui gentilmente recebido pelo P.G., que me relatou toda a história da queda e permitiu que eu examinasse o local de queda do meteorito, que já devia estar já alterado desde a condição original. Pela gentileza em me receber em sua propriedade eu o presenteei com um meteorito e recebi também de presente uma palmeira ornamental que ele já havia separado mesmo antes de eu ter chegado. Infelizmente as condições em casa não são muito propícias a esse ser tão sensível e o mesmo veio a falecer alguns meses depois, talvez por falta de iluminação ou outros cuidados adequados. (Espero que o P.G. não fique chateado comigo se algum dia ele ler esse relato).
 
Como era uma caçada de final de semana e só havia dois dias disponíveis, concentrei as buscas em áreas próximas ao local do primeiro achado onde a vegetação fosse baixa ou inexistente para permitir a visualização até de pequenos fragmentos. Pode parecer estranho, mas um meteorito recem-caído com uma crosta de fusão fresca se destaca muito do ambiente ao redor, como grama ou pedras terrestres, principalmente para quem já tem uma boa familiaridade com esse tipo de material.  De qualquer maneira, encontrar um meteorito não é nada fácil e o que mais se espera de uma caçada rápida de final de semana, é realmente não encontrar nada, principalmente devido as condições de solo brasileiro, pela presença de uma densa vegetação e a existência de muitas pedras. Contra todas as estatísticas e má sorte que geralmente acompanha as caçadas de final de semana, principalmente aqui no Brasil, o primeiro fragmento foi encontrado em menos de 1 hora de busca em uma área de vegetação rala. Um pequeno fragmento em formato piramidal com 2.9g. A crosta de fusão era espessa e a base da pirâmide não apresenta nenhuma crosta. Por isso suponho que esse pequeno fragmento tenha se desprendido de um fragmento maior. Já havia gasto toda a sorte para um único dia e nenhum outro fragmento foi encontrado até o fim daquele mesmo dia.
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No dia seguinte, ainda continuando a busca ainda numa região próxima a propriedade onde fora achada a massa de 450g, um novo pequeno espécime, agora um lindo pequeno individual de 3.5g com 100% de uma aparente fina cobertura de crosta de fusão foi encontrado após cerca de 2 horas e meia de busca em regiões que considerei mais propícias a identificar pequenos fragmentos.
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Nenhum outro fragmento foi encontrado naquele final de semana e voltei para casa com dois pequenos fragmentos do Porangaba.