14 de janeiro de 2023
Essa Pedra é um Meteorito?
A motivação para escrever esse artigo veio das inúmeras consultas sobre como identificar meteoritos que tenho recebido através desse site ao longo de mais de 10 anos. Uma resposta para essa pergunta pode ser difícil até mesmo para os especialistas mais experientes. Não há profissão formal qualificada para essa análise e a que mais se aproxima é a de geólogo. Porém esses foram treinados para identificar rochas terrestres e a menos que um geólogo não tenha se especializado e experiência com meteoritos, não irá conseguir fazer uma identificação melhor do que uma pessoa que tenha estudado e esteja habituada a fazer isso [1]. A vasta maioria de caçadores e colecionadores de meteoritos não é formada por geólogos e muitos deles adquiriram com o tempo uma grande experiência prática nessa área.
Em 2010 no caso de Varre-Sai, também muitos astrônomos se tornaram "especialistas em meteoritos" de um dia para o outro, provavelmente sem nunca ter visto um meteorito na vida. A mídia sensacionalista do Brasil na busca de noticias de impacto publicam qualquer coisa que algum astrônomo disser sem mesmo saber se o fato é verdadeiro ou não.
Para se ter idéia da raridade de uma descoberta, através de material enviado para analise, uma instituição que analisa meteoritos nos EUA afirma que para cerca de mil espécimes enviadas geralmente uma é realmente um meteorito [2]. Ou seja, encontrar um meteorito não é fácil. Muitas pessoas me enviam fotos e já perguntam qual o valor mínimo que podem receber. Antes de tentar vender alguma amostra que eventualmente tenha encontrado ainda há um longo caminho a percorrer de testes e análises. E lembre-se de que tentar vender algo que realmente não é configura crime de estelionato (artigo 171), então tenha consciencia do que está fazendo.
A idéia desse artigo é apresentar algumas análises e testes simples que podem dar uma primeira indicação da origem extraterrestre de um material. Às vezes é possível ter um veredito com alguns testes simples, em outros casos somente análise químicas elaboradas através de laboratórios.
Primeiramente, gostaria de separar a análise da amostra em três fases distintas: análise preliminar, análise da superfície externa e analise da região interna:
Análise Preliminar
O material que constitui o meteorito é em geral três vezes mais denso do que uma rocha terrestre. Um siderito é constituído essencialmente de ferro! Assim o que primeiramente se nota ao segurar um meteorito é seu peso relativamente maior do que uma rocha terrestre. Cerca de 99% dos meteoritos possuem o elemento ferro em sua constituição. Mesmos os condritos ainda possuem ferro, porem em muito menor quantidade que os sideritos. Assim o primeiro teste é verificar se a amostra é atraída por um ímã. Caso a atração seja fraca ou o material seja pequeno, é possível amarrar o imã a uma cordinha e aproximar o material do ímã (não o contrário!). Se houver alguma atração será possível perceber um movimento do ímã em direção ao material. Se o material não atrair o ímã a possibilidade da amostra ser um meteorito cai muito para quase zero, mas ainda existe. Os tipos mais raros de meteoritos como acondritos tem essa característica.
Se o material não passar no teste do ímã a chance de ainda ser um meteorito é praticamente zero!
Se o material atrair um ímã ainda não quer dizer que o mesmo já seja um meteorito. Muitos minerais terrestres têm essa propriedade. O tipo de material que é mais confundido com meteorito é a magnetita, um minério de ferro que atraí muito um ímã (daí vem o nome). Um outro mineral é a hematita, que também pode ser ou não magnético. Para diferenciar esses dois tipos de materiais de meteoritos verdadeiros é possível fazer um teste muito simples riscando o material contra uma superfície áspera. Você pode utilizar um ladrilho de cerâmica para isso utilizando a superfície não acabada da mesma (a superfície onde é colada ao piso). Risque vigorosamente a amostra contra essa superfície e observe se a mesma deixa algum rastro. Se a amostra deixar um rastro preto/cinza (como um lápis), é provável que você tenha uma magnetita. Se o risco originado tiver uma cor avermelhada ou marrom é provável que a amostra seja uma hematita.
Risco avermelhado de hematita
Risco negro de magnetita
Análise da superfície externa
Geralmente a primeira coisa que conseguimos perceber ao tentar identificar um possível meteorito é o seu formato, cor e textura da superfície.
Quando o meteoróide (o material recebe o nome de meteorito somente após ter sobrevivido a reentrada e se encontra na superfície terrestre) faz a sua entrada na atmosfera terrestre, a parte externa do mesmo sofre fusão e muito material se perde nesse processo. Em geral o aspecto externo de um meteorito, por ter sofrido essa ação na entrada atmosférica, não apresenta pontas agudas ou cavidades, pois essas teriam sido cobertas pelo material fundido. Formatos com ponta, por sua vez, também não iriam sobreviver a reentrada, pois são muito mais frágeis.
O formato externo às vezes pode também assumir aspectos aerodinâmicos logicamente originado no processo de reentrada. Devido a esse processo meteoritos não apresentam aspectos regulares como esferas ou sólidos de revolução.
Em alguns casos também é possível observar pequenas marcas na superfície chamadas de remagliptos. Essas marcas se assemelham a marcas de dedos deixadas em uma massa de vidraceiro. Esses remagliptos são originados porque a superfície do material possui pontos de fusão diferentes. Tanto meteoritos rochosos como ferrosos podem apresentar esses remagliptos, porém essas características são bem mais pronunciadas nos meteoritos ferrosos. Veja essas esruturas em meteoritos forrosos como o Sikhote-Alin:
Remagliptos
Quanto à cor da superfície externa, pode haver muita variação. Um meteorito recém caído, condrito ou siderito, vai apresentar uma crosta de fusão preta que vai se perdendo com o tempo ou intemperizando.
A figura abaixo mostra um meteorito recém coletado após uma queda onda a crosta preta é facilmente observada:
Crosta de Fusão
Um condrito em ambiente terrestre perde a sua crosta escura que vai ficando marrom ligeiramente brilhante. Abaixo uma foto de um meteorito que já sofreu a ação do ambiente terrestre e perdeu boa parte da crosta de fusão preta. Nesses meteoritos também são observadas algumas rachaduras provenientes de dilatações e contrações contínuas ao longo do tempo, muito comuns em condições desérticas.
Em relação aos meteoritos forrosos ou sideritos, a grande maioria não teve a queda presenciada e são encontrados muito tempo depois. Em geral estão enterrados e a sua superfície externa já está totalmente oxidada adquirindo por vezes um tom alaranjado.
Com a finalidade de exibir a constituição interna de um siderito intemperizado, foi removida toda a camada externa oxidada e o aspecto resultante evidenciando a constituição metálica interna é o seguinte:
Análise da região interna
A análise da região interna deve ser feita somente depois que a amostra tenha passado pela análise da superfície externa.
A região interna do meteorito é muito diferente do que se pode ver externamente. Uma análise dessa região é fundamental e muitas pessoas que tentam analisar uma amostra não percebe essa diferença. Para os dois principais grupos de meteoritos (condritos e sideritos) vou descrever o que se espera e como se faz a análise. Em todos os casos é necessário fazer uma janela polida do material. Isso pode ser feito facilmente com uma lima e algumas lixas. Uma mini retifica tipo dremel com um disco adiamantado é muito prática para fazer essa janela. Para cortar um meteorito de ferro é possivel utilizar aquelas ferras amarelas de aço, ou mesmo uma esmirilhadeira com disco de corte.Meteoritos não possuem buracos ou vesiculas em seu interior.
Condritos (rochosos)
Em meteoritos cuja queda foi recente o interior da amostra é claro e vai escurecendo com o tempo. Nesse tipo de meteorito o que se observa em uma janela polida do material são dois tipos de estruturas:
1) Côndrulos: Os condritos são formados por estruturas chamadas côndrulos (o nome condrito vem disso). Dependendo do tipo do meteorito esses côndrulos são mais ou menos visíveis e praticamente invisível em alguns casos. Uma nomenclatura de classificação de meteoritos rochosos ou condritos vem justamente dessa diferenciação dos condrulos. O tipo 3 é o que apresenta os condrulos mais definidos e conseqüentemente mais facilmente visualizados em uma janela polida. Segue abaixo uma foto de uma fatia do meteorito Buzzard Coulee evidenciando as estruturas chamadas côndrulos:
Veja abaixo uma ampliação da fatia com alguns côndrulos assinalados em vermelho:
2) Grãos de metal: Os condritos também contém de ferro (reduzido) em seu interior. É por isso que um ímã também atrai a maioria dos meteoritos rochosos. Isso é facilmente visível através de uma seção polida. Onde é possível verificar a existência de pequenos grãos de ferro. Abaixo uma fatia do meteorito Lamesa (b) da minha coleção. Observe os pontos prateados no interior da seção. Esses pontos são formados de ferro e níquel!
Se o material em análise aparenta uma janela homogênea (sem côndrulos ou grãos metálicos) que não seja metálica, então não é um meteorito
Sideritos (Ferrosos)
Em uma janela polida de uma amostra candidata a siderito deverá apresentar um aspecto homogêneo brilhante com a cor de aço inox. Removendo a camada externa que pode ser a crosta de fusão ou uma camada oxidada o interior vai ser essencialmente ferro. Ainda é possível encontrar amostras de ferro que não são meteoritos e foram originadas em processos gerados pelo homem como em fundições (escória) ou em artefatos metálicos. Nesse caso uma análise mais profunda do material é necessária. É possível sem grandes dificuldades fazer dois tipos de análises nessa situação:
Teste de Níquel: um siderito é composto de alguns minerais como ferro e níquel. “Mentioritos” suspeitos encontrados e que possam ter origem em algum processo de origem humana dificilmente conteria níquel. Para esse teste é usado um reagente que facilmente indicará a presença de níquel. O reagente é feito através de uma solução de Dimethylaminoaniline (DMG) com álcool isopropílico. A solução deve ser aplicada em uma seção cortada do material. Com a presença do níquel a solução adquire um tom rosa, caso contrário o tom apresentado é castanho. Infelizmente é necessário alguma experiencia para conseguir identificar a tonalidade correta que indica a presença do níquel, pois em ambos os casos o reagente altera de cor.
Estrutura de Widmanstätten: Também chamada de estrutura de Thomson (na verdade o descobridor), são figuras únicas de longos cristais de kamacita e taenita (minerais com proporções variadas de ferro e níquel) encontrados em meteoritos ferrosos octahedritos e alguns palasitos. São constituídos pela sobreposição de bandas de tenita e kamacita. Sua formação somente pode ocorrer em ambiente extraterrestre. Para verificar se uma amostra apresenta a estrutura de Thomson, deve-se primeiramente preparar uma superfície bem polida. Após aplicar uma solução de acido nítrico e ferro chamada nitol. A solução ácida irá atacar mais kamacita do que a taenita e a estrutura será revelada.
A seguir são exibidos alguns padrões em uma área de 2 cm x 2 cm em 4 meteoritos octaedritos brasileiros. Note que a largura das "lamelas" alteram com o tipo do meteorito. Há tipos de meteoritos metálicos que também não apresentam essa estrutura como os hexaedritos.
O que mais posso fazer para conseguir identificar meteoritos?
Uma dica para ter mais familiaridade com as características dos meteoritos (externas e internas) é adquirir algumas peças de meteoritos de baixo custo. Todas as caraterísticas citadas nesse artigo podem ser verificadas em espécimes relativamente pequenas e baratas. Você pode adquirir um siderito cortado, que irá exibir o interior completamente metálico e a estrutura de widmanstatten se estiver sido atacado com ácido, ou mesmo um condrito não classificado NWA com corte. Nesse caso você ira se familiarizar com o aspecto externo de um condrito intemperizado, e a estrutura interna como côndrulos e graos metálicos. Caso queira saber como é a crosta de fusão de um meteorito recém-caído, é possivel também adquirir um meteorito do tipo queda de baixo custo como o Chelyabinsk. Em outras palavras, como você vai identificar um material que você nunca viu e pegou na mão ? É uma tarefa dificil tentar seguir somente por fotos.
Resumo
Segue algumas perguntas que podem dar um forte indicativo para uma amostra em analise ser um meteorito:
- A amostra é pesada? Um meteorito é cerca de duas ou três vezes mais pesado do que uma rocha terrestre com tamanho similar.
- A amostra é sólida e compacta?
- A amostra é atraída por ímã? Cerca de 95% dos meteoritos são atraídos por ímã.
- A amostra é preta ou marrom e apresenta uma superfície homogênea? A crosta de um meteorito recém caído é escura. O ambiente terrestre irá fazer essa crosta preta ficar marrom.
- A amostra apresenta partículas prateadas em uma superfície cortada e polida ? Essas particulas são compostas de ferro e também participam da constituição dos meteoritos rochosos.
- Adquira amostras de pequenos meteoritos auténticos para se familiarizar com o material
Observações finais
Identificar meteoritos pode ser uma tarefa muito dificil. Praticamente todas as regras apresentadas nesse artigos podem ter exceções. Ou seja, há meteoritos que não são atraidos por ímas (acondritos), logo apresentam muito pouco ferro. Há meteoritos com vesiculas internas (raríssimo). De qualquer forma as características descritas nesse artigo são encontrados em mais de 99% dos meteoritos.
Veja no link abaixo uma série de fotografias de meteoritos falsos:
http://meteorites.wustl.edu/meteorwrongs/meteorwrongs.htm
Envio de amostras
Se você acredita que a sua amostra passou nos testes consulte como enviar amostras aqui.
Referências
[1] http://meteorite-identification.com/
[2] http://meteorite-identification.com/mwnews/82202.html
Versão inicial: 21/02/2013
Última atualização: 15/01/2023
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