Trajetória do Meteorito de Porangaba

sexta-feira, 13 de janeiro de 2023

Na época da divulgação do novo meteorito, também foi divulgado na Internet uma análise de órbita e trajetória que se estendia no sentido NO para SE com uma inclinação razoável em relação ao azimute 0 ou N.

Durante as entrevistas de campo que fiz com as pessoas que estavam próximo ao local da queda e que ouviram e presenciaram o fenômeno sonoro, além de avistarem a fumaça no céu, comecei a ter a percepção que uma possível trajetória para esse meteoro deveria ser sentido norte para sul, porém com uma leve inclinação ao azimute 0 ou N. Talvez até mesmo de NE para SO. Havia testemunhas bem próximas ao local da queda que inclusive relataram fumaça na direção NE. Devido a esses fatos não compatíveis com a trajetória NO para SE, e também a disponibilidade de video e fotos do meteoro de Porangaba, consideramos interessante e necessário fazer uma análise dos dados disponíveis na Internet e tentar traçar uma possível trajetória. Esse trabalhando também foi realizado em parceria com a pesquisadora Dra. Elizabete Zucolotto.

Um resumo sobre a análise poder ser visualizada através do seguinte vídeo:

NE para SO. Havia testemunhas bem próximas ao local da queda que inclusive relataram fumaça na direção NE. Devido a esses fatos não compatíveis com a trajetória NO para SE, e também a disponibilidade de video e fotos do meteoro de Porangaba, consideramos interessante e necessário fazer uma análise dos dados disponíveis na Internet e tentar traçar uma possível trajetória. Esse trabalhando também foi realizado em parceria com a pesquisadora Dra. Elizabete Zucolotto.

Por onde Começar a Análise da Trajetória?

A única experiência que eu tinha até então de análise de meteoros era através da utilização do pacote de software UFO (Capture, Analyser e Orbiter) para operação de estações de captura de meteoros. Sem querer desmerecer esse software, que são fantásticos, a análise feita com os mesmos depende de vários pré-requisitos, como o estabelecimento de uma máscara de estrelas para fazer a correta calibração, além disso, o software opera sobre os dados gerados por uma câmera de vídeo em tempo real. Não havia nada nesse sentido disponível para o meteoro de Porangaba. Com os dados disponíveis a análise somente poderia ser feita de maneira manual, sem poder contar com a ajuda de um pacote do tipo UFO.

A análise com UFO é facilitada e ágil, uma vez que o operador não precisar ter conhecimento de técnicas que empregam o uso de geometria analítica envolvendo equacionamento matemático para análise das trajetórias, bastando seguir o workflow para conseguir os resultados. Como não seria possível utilizar o pacote UFO seria necessário um estudo mais profundo de métodos de análise de trajetória ou buscar ajuda de pesquisadores com experiência na área.

Inicialmente pensamos em contatar com pesquisadores área, como o Dr. José Maria Trigo da Espanha, e um dos mais renomados cientistas ligados a cálculos na área de meteoros, Dr. Jiri Borovicka da República Tcheca. Apesar de sermos muito bem recebidos, não tiveram seus interesses despertados pela baixa qualidade dos dados disponíveis do meteoro, principalmente dados que permitissem uma correta determinação da órbita. 

Método de Análise Utilizado

Como não foi possível contar com a ajuda dos “papas” da área, resolvemos realizar uma busca bibliográfica sobre cálculo de trajetórias de meteoros e um artigo do Ceplecha, 1986, chamou a atenção.

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Neste artigo é feita a proposição de um método de calculo de trajetória de meteoro cujo principio é a realização da intersecção de planos. É um método que parecer ser muito intuitivo, e poderíamos começar a traçar os planos utilizando a ferramenta Google Earth.

Cada informação de trajetória do meteoro, seja proveniente de um vídeo ou fotografia, deve ser devidamente calibrada para poder ser utilizada em cálculos de trajetória. A calibração é feita por meio uma foto noturna no local mais próximo possível de onde foi feita a imagem que contém a informação do meteoro. Através da imagem calibrada é possível extrair os reais azimutes e elevações a fim de poder realizar a construção dos planos.

O interessante artigo “The Analysis of casual vídeo records of fireballs” sobre a realização de calibrações de autoria de Jiri Borovicka também foi consultado.

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Software de Cálculo de Trajetória

Estimar a trajetória pelos planos construídos “manualmente” no Google Earth é interessante, mas um tanto quanto subjetiva, uma vez que o cruzamento dos planos em geral não é de percepção muito fácil. Além disso, também subjetiva fica a projeção desta intersecção no solo, indicando a trajetória real do meteoro a fim de poder estimar uma eventual elipse de espalhamento. Fazer a análise de maneira “manual” no Google Earth também é trabalhoso, uma vez que a cada ajuste de plano é preciso calcular e refazer toda representação no Google Earth.

Como minha formação é de Engenharia de Computação, comecei a imaginar como poderia implementar toda essa análise através de um software. Um software no qual bastaria colocar as informações de origem das observações, azimutes e elevações para a construção dos planos e um simples botão para gerar toda análise, inclusive com uma visualização opcional através do Google Earth.

Porém, para a construção do software, seria necessário entrar mais a fundo no método de intersecção de planos e entender todo o equacionamento matemático, que nada mais é do que a aplicação de conceitos de Álgebra Linear. Conceitos esses que a gente aprende na faculdade e acha que nunca mais vai usar na vida. Além de conceitos de Álgebra Linear, foi necessário também realizar tratamento de conversão bidirecional de coordenadas, uma vez que latitudes e longitudes não podem ser empregadas em equações no espaço tridimensional.

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Não é a intenção de este artigo ser um manual de uso do software, mas basicamente o software permite a criação com opções de armazenamento em discos de projetos de análise de trajetórias, exibe uma área “Observer Informations” onde é possível inserir a informação dos dados calibrados de azimute e elevação de cada trajetória assim como as suas coordenadas geográficas (latitude e longitude). É possível customizar o comportamento da análise, permitindo o resultado ser automaticamente apresentado no Google Earth, a criação de linhas de azimutes no solo para cada ponto de observação, a exibição ou não dos planos, realização do cálculo da trajetória, representada como uma linha vermelha projetada no solo, e finalmente ajustar a transparência dos planos exibidos. O botão “Analyse!” realiza a análise da trajetória inserida no projeto corrente.

Validação do Software

Depois de investir algumas semanas no software, comecei a obter de maneira automatizada os mesmos resultados que estava obtendo quando fazia o processo manualmente pelo “Google Earth”, com a diferença agora que a projeção da trajetória estava claramente exibida no solo, facilitando enormemente a análise em andamento da trajetória do Porangaba, como também de quaisquer outras análises futuras, bastando ter apenas dados obtidos de fotografias ou vídeos com as respectivas calibrações.

Apesar disso considerei que seria muito interessante realizar uma análise utilizando dados “independentes” e verificar se a análise realizada pelo software em desenvolvimento estaria de acordo com a análise de referências na área e que utilizaram esses mesmos dados.

Requisitei então ao Jiri Borovicka se o mesmo poderia disponibilizar um conjunto de dados e análise realizada sobre esses dados a fim de que eu pudesse fazer a validação do software. O mesmo atendeu prontamente o pedido e disponibilizou dados do bólido Kosice, que caiu na Polônia em 2013, juntamente com um paper que demonstra o resultado obtido do cálculo da trajetória desse meteoro. Com isso eu pedira repetir a mesma análise no meu software e comparar o resultado com o resultado do paper.

E assim foi feito. Abaixo a primeira análise gerada pelo software com os dados enviados pelo Jiri.

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O sistema de coordenadas adotado pelo Jiri é diferente do que eu estava considerando, a origem do azimute estavam deslocados 180 graus. Assim o software gerou uma análise na qual a representação dos planos divergia ao invés de convergir, uma vez que não apontavam corretamente para a direção do avistamento. Porém, para a minha surpresa a análise fora feita corretamente e as linhas vermelhas representando a projeção da trajetória no solo convergiam para o mesmo resultado apontado pelo paper. Isso é explicado porque o software calculou corretamente todos os planos, e os mesmos convergiam na direção posta à representação plotada no Google Earth.

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Foi feita a correção dos azimutes e uma nova análise foi gerada, na qual agora a representação dos planos onde transitavam os meteoros nos dados calibrados foi gerada corretamente no Google Earth. Uma observação importante é que o software ainda não calcula a “média” das intersecções de todos os planos disponíveis. Como havia três planos disponíveis (Taki, Orkeny, Budapest), o software foi programado para realizar análises pareadas considerando todos os planos. Logo as seguintes análises foram realizadas: (Taki,Orkeny), (Orkeny,Budapest) e (Taki, Budapest). Gerando as três linhas vermelhas representadas na imagem.

Finalmente, na figura abaixo é plotado também em amarelo a trajetória calculada no paper do Jiri. Em uma das fotos também é plotada a localização dos meteoritos recuperados para essa queda.

Os resultados foram apresentados ao Jiri, que também considerou satisfatório o comportamento do software. Diferenças entre as trajetórias calculadas pelo software em vermelho e a do paper em amarelo podem ser justificadas então pelo fato do software não ter feito a média das três trajetórias gerando uma resultante. Outro fator que pode justificar a diferença é que o paper utilizou outro método de cálculo de trajetória chamado de “Mínimos Quadrados”. Segundo o Jiri, ambos os métodos deveriam convergir para o mesmo resultado apenas se não houvesse erros de calibração. Porém realizar uma calibração sem qualquer erro utilizando fotos noturnas feitas posteriormente nos locais aproximados é praticamente impossível.

Finalmente vale destacar a precisão dos dados fornecidos pelo Jiri, uma vez que tanto através da análise via software ou realizada no paper, uma trajetória indicando a localização dos meteoritos foi extremamente precisa considerando que os três pontos de observação estão bem próximos e a quase 400 km de distância do local de impacto.

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Trajetória do Porangaba Obtida Pelo Software

Uma vez que a confiabilidade do teste foi minimamente testada, foi feita a mesma análise agora com os dados do meteoro de Porangaba calibrado. Antes de apresentar a análise, é necessário fazer algumas observações. Não é a toa que o pessoal contatado da área não considerou validos os dados para efeito de calculo de órbita ou mesmo uma trajetória com precisão razoável.

O único dado que considero que possa ter mais precisão é a imagem feita pelo Beto, porém, para essa fotografia em específico a calibração feita no local não foi muito precisa. O vídeo filmado por um celular também apresenta problemas relativo à baixa resolução e também parece haver certa inclinação em relação a vertical. Tudo isso foi corrigido na calibração, porem a cada correção mais erros são inseridos na análise.

Finalmente, o pior fato sobre os dados é que a imagem da fumaça feita em Tatuí pelo Ivan trás muitas dúvidas em relação a real inclinação aparente de entrada do meteoro visto naquele local. Para a análise foi estabelecida uma linha considerando uma mediana do rastro de fumaça, mas esse processo também insere erros na análise, somando-se também a isso o fato do Ivan ter mencionado que havia vento no momento com diferentes velocidades em relação à altitude. Ele menciona o fato do vento ter deslocado a porção superior da fumaça forçando a uma trajetória levemente mais no sentido vertical do que o que realmente aconteceu. Visto essa incerteza, foram geradas duas análises. A primeira considerando uma mediana imaginaria no rastro de fumaça, e uma segunda considerando um desvio de cerca de 10 graus para corrigir um possível efeito do vento sobre a fumaça nas alturas mais superiores.

Finalmente as condições para a realização das imagens noturnas de calibração eram muito ruins.

Foram feitas a calibração de todos os dados obtidos. A seguinte imagem representa a calibração da imagem obtida em Tatuí.

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A seguir um comparativo entre a trajetória aparente na localidade de Tatui através da foto e da visualização dos mesmos planos através do Google Earth em com o observador localizado na mesma coordenada do local da foto.

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Finalmente, a seguir são apresentadas as duas trajetórias calculadas considerando uma mediana em torno da fumaça obtida na foto de Tatuí, e uma segunda imagem apresentando a trajetória agora considerando uma mudança de inclinação por efeito do vento de acordo com o Sr. Ivan Fiuza.

A análise realizada pelo software não necessariamente precisa ser apresentada com o auxílio do Google Earth, porém os resultados matemáticos não são de visualização trivial. Para quem gosta de Geometria Analítica, apresento a reta paramétrica da trajetória calculada no caso da foto em Tatui com ajuste pelo vento:

 

PO (22309146.000000, -24545902.000000, 0.000000)

D (0.670912, -0.735824, 0.091867)

 

Sendo que a equação da reta paramétrica da trajetória é a seguinte:

P = PO  + D. t

 

A seguinte imagem representa a trajetória indicando a projeção da reta paramétrica acima projetada no solo. Foi considerado nessa análise um desvio ocasionado pelo vento nos dados da imagem de Tatuí informado pelo Sr. Ivan Fiuza.

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A seguinte imagem representa a trajetória sem um eventual desvio de vento.

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Abaixo a combinação das duas análises e a direção do avistamento indicado pela testemunha em Botucatu.

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Última atualização: 16/12/2015